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sexta-feira, janeiro 30, 2004

Aqui jaz um post desnecessário e frívolo.

segunda-feira, janeiro 26, 2004

É difícil ler alfabetos diferentes com a mesma agilidade que o bom e velho romano.

O olho engasga. A mente faz muxoxo. A atenção e a compreensão fazem pose em frente a um espelho lingüístico que as reflete como chinesas interioranas não-alfabetizadas de terceira idade defronte à primeira tela de inicialização do Windows de suas vidas:

Izvinite (em maiúsculas, minúsculas, itálico, cursivas). Och.

E sim, eu sei que há questões mal-perguntadas de ordem psicológica por trás do meus bloqueios com o iídiche, mas isso não mudar o fato de que falar essa língua é preciso. Viver não é preciso.

A grus oif der heim! Fun dain moil tzu G-ts oyern!

Sete anos estudando, e meu conhecimento resume-se a isso.

Nu??? Es tut mir vey das harts: oy.


quinta-feira, janeiro 22, 2004

Prostituta que se considera letrada por ler em profusão romances baratos de segunda mão refestela-se em hotel decadente do Centro Velho de SP dois dias depois de aborto espontâneo

Noite de poucos clientes.


Eu a peguei com os dedos médio e polegar da mão direita como se fossem pinças, o que liberava o indicador para analisar sua casca lisa e fria.

A barata andava rumo ao canto da parede atrás da cama, fazendo sons que poderiam ser de chuva ou de uma embalagem de plástico esmagada e len ta men te desabrochando.

Por segundos fiz com ela um aviãozinho. Acho que ela entendeu, pois tentou abrir as asas. Não era o momento para abrir as asas. Isso também ela percebeu.

A idéia nasceu do adiantado da hora, que fez nascer um bocejo: taaanta boca, e baratas gostam de lugares escursos e úmidos. Um bocejo.

Antes de passá-la sob minhas narinas eu a aproximei de meus olhos, dialogando sem palavras com as perninhas que se agitavam supervelozes, pernas de velocista, the flash. Cheirei o corpo e as asinhas. Lambi estas últimas, que de fato são meio doces. Engoli a da esquerda.

Ao invés de morder, resolvi sugá-la lentamente, como fina e delicada iguaria. Com delicadeza francesa dirigi o inseto solenemente em direção aos meus lábios, que já se haviam arredondado para, num beijo, iniciar a sucção, e assim sorvê-la plenamente, totalmente, tirando o máximo de cada possível textura e sabor.

A cabeça entrou mas fez cócegas no céu da boca com as anteninhas. Mordida suavemente, destacou-se do corpo com um leve estalo. Prendi as antenas no céu da boca com a língua prensando, antes de mastigar, a cabecinha, tão rica em líquidos de sabor forte. Molares trituraram-na como se devia, e procedi, então, ao corpinho.

Este sorvi sem pressa de uma ponta a outra, até tê-lo inteiro sobre minha língua. Era grandinho, e estava ainda bastante ativo, as patinhas tocando bongô sobre minhas papilas gustativas. Quereria fugir? De quê? Não de ser comida. Isso era inevitável.

Girando-a na transversal a diversão começou. Nhac, nhac, em uma e outra ponta. O adocidado mas ácido conteúdo do bicho começou a vazar, mas para provar do seu creme foi ainda preciso o tuc! final, achatando a barata com o céu da boca até que ela fizesse tuc! e liberasse toda a massa cremosa de seu interior.

Agora sim, mastigar e entender as camadas de sabores e temperos. Tuc, tuc e crac, porque havia partes crocantes. Uma ou duas perninhas ficaram presas nos vãos dos meus dentes.

Minutos até que ela toda se tornasse uma pasta homogênea, e então... engolir, oh, a glória de tornar-se una com ser tão poderoso, temido por muitos, senão todos. Nham! Foi-se.

A barata agora era parte de mim.

Olhei com amor para a segunda bichinha que se aproximava incerta, sorrateira. Esta seria engolida por inteiro. Só assim eu seria brindada com novas tentativas de fuga, desta vez de dentro da minha boca, de meu esôfago e, quem sabe, de meu intestino. Nunca mais de meu útero.

Ah, essas baratas. Sobrevivem a tudo, hoje em dia.


quarta-feira, janeiro 21, 2004

.mucifelam a sitavreS

.mulucirep a sitavreS

.somsem is a euq od siam otium mim a oãremet ,zedicul amugla adnia atser es ,sogimini suem asm ,sasioc satium a oserp ajetse ue euq osicerp É

.orietni rop rimusnoc em ed áh adnia ueq e osip aro euq oãhc o euq ogitna siam uos ;odreuqse odal od adiref a e oãirutnec o uoS .erpmes ,odicnev o e ,erpmes ,rodecnev o ,arreug airpórp a e ahlatab ed opmac o uos ue :snif sotium ed oicíni o sanepa é ossi ,mim arap ,euq ossap oa ,etion ad riac o moc animret aid ues ,oãs euq meb ed saosseP

?otsuj aireS .seled muhnen ed otnemidnetne rigixe mes ,oãv es euq oxieD

The rash of negativity is seen one-sidedly.

.oirc omsem ue euq siam odut omoc atiefrepmi e levártenep ,oicnêlis ed ahlob amu mim ed roder oa rairc arap anasni snem ed asvitagorrerp sahnim ed osU

.(ãhnam ad sezul sariemirp sà em-ralugnartse odnatnet orgen otluv mu uo) otrauq od oãdirucse an odnautulf sievómi e sorbur sogsar siod :adahlemreva aicnêcsenimul amu ed sohlo moc mêt sele euq adiv à otsissa ue ,ál eD .rednu gniog m'I ,un ohlo a mim ed êv es euq od oxiaba otium ,oxiabA

.aihnapmoc ed otium osicerp odnauq on-mezaf :ohnizos maxied em oãn ,ohnizos em-raxied maireved odnauQ

.ohnizos maxied em oãN


Servatis a periculum
Servatis a maleficum



Apanhe-me enquanto eu caio e diga que estará ao meu lado e que tudo acabou, passou... Mas estou falando para o ar, não há ninguém aqui e eu só caio dentro de mim mesmo.

Esta é uma verdade que me leva à loucura: eu sei que posso parar toda a dor se eu desejar que ela vá embora.

Tenho medo do que vejo, mas de alguma forma eu sei que há muito mais a caminho. Imobilizado pelo meu medo, e prestes a ser cegado por lágrimas, eu posso parar a dor se eu desejar que ela vá embora.

Não dar as costas. Não me entregar à dor. Não tentar me esconder (embora eles estejam gritando meu nome). Não fechar os olhos (D-us sabe o que se esconde atrás deles). Não apagar a luz (nunca dormir, nunca morrer).

Anjos caídos aos meus pés, vozes sussuradas em meus ouvidos, morte ante meus olhos -- deitada perto de mim eu sinto que ela me convoca: deveria me entregar? Pelo meu fim eu começarei, abandonando tudo aquilo pelo que caí.

Eu me ergo para encontrar meu fim.

Salvai-nos do perigo.
Salvai-nos do mal.


Whisper.
Evanescence.
Adapted by me.

terça-feira, janeiro 20, 2004

Hoje é aniversário da Sra. Minha Esposa, e em 57 minutos deverei driblar o rígido sistema de marcação de horários de minha empresa para encontrá-la em um bar que não visito há algum tempo.

Queria poder postar aqui como se diz "Feliz Aniversário" em russo, mas é meio complexo demais colocar, no meio do post, caracteres cirílicos.

Queria, também, que ela desistisse do Omalley's e fizesse sua bebemoração de sábado no bar do Pomba, que vivo prometendo ao próprio conhecer, mas até agora...

Estou suando frio, e um tanto profusamente. O calor na sala é o de sempre, vai ver o que me faz transpirar é outra coisa. Há textos que não consigo terminar, informações on-line que não encontro, e posso me dar mal se a mocinha do DP encasquetar com minha saída antecipada (nem de todo indevida, já que o horário a mais seria uma espécie de compensação compulsória que pode muito bem ser feita em outro dia). High anxiety.

Eu queria postar sobre o domingo; isso seria um post retroativo? Não são todos? Afinal, não se pode, teoricamente, postar sobre o presente ou o futuro, pois o último ainda nem foi e o segundo, se temos qualquer consciência dele, é porque já é passado.

Eu tive vários domingos, neste último, mas vou ter que falar sobre isso depois. Lisa está em trânsito, vindo para SP, Spark está (espero) serenando, e Candy-O confiou a mim seus leitores, aos quais prometo, no mínimo, fazer o máximo ao meu alcance para não mordê-los. É uma responsabilidade grande, muito maior que minha capacidade no momento de falar qualquer coisa que tenha importância ou sentido.

Só me resta tentar salvar este post com um textículo de Fernando Bonassi, extraído do livro que comprei hoje, Passaporte:


028 paisagem com galinhas queimadas

Vínhamos desviando dos buracos da Belém-Brasília por quatro horas, quando a incrível explosão, seguida de um cogumelo de fumaça negra, brotou da estrada ao longe. Demos tudo o que não tínhamos para chegar depressa. Excitação em estado bruto. Fomos os primeiros. O que "não parecia mais" um caminhão lotado de galinhas bateu contra outro que, provavelmente, transportava combustível. Não achamos motoristas, nem parecia haver nada vivo por perto, exceto as galinhas ensangüentadas que corriam como tochas pela paisagem.



Então, essas galinhas.

Eu as entendo perfeitamente.

segunda-feira, janeiro 19, 2004

Post retroativo n.º 03/04: Antes de adormecer

Madrugada de sexta para sábado


Por que, Deus meu, quando estou mal, nos reencontramos?

Agora terei que fazer deste um blog mentiroso e hipócrita -- ainda mais mentiroso e ainda mais hipócrita, um blog nojento, mais baixo que se parido por uma meretriz em um banheiro de boteco e abandonado ainda envolto na placenta para morrer no cesto de plástico que abriga o papel usado:


I

A sexta escorreu lenta pela tarde e princípio de noite, tendo por ralo uma ansiedade difusa. O esgoto metafórico eram os primeiros sinais de um novo período depressivo, inconfundíveis. Difícil saber como lidar com eles. Ele optou por postar algumas frases desconexas em sua página pessoal, mais como forma de tentar reconhecer nelas qualquer coisa, que propriamente como humilde oferenda textual aos fiéis e infiéis leitores.

Final de expediente, e sua partida poderia ser como a de qualquer outro dia, exceto pela ausência da indefectível mochila às costas, carregada de livros lidos pela metade (quando muito) e papéis, papéis, muitos papéis de utilidade discutível.

E cds. Naquela sexta não havia levado cds. Afinal, a promessa era de balada: depois de mais de ano, uma noite de música eletrônica em uma casa fortemente hypada de São Paulo. Com certeza algum dj famoso que ele, agora roqueiro convicto, não conheceria de nome. Seu amigo, por outro lado, falava deles entusiasmado, e do som, e das pessoas atípicas que freqüentavam a casa naquela noite.

Encontraram-se, os dois, e foram comer algo, já que ele, vegetariano, tendia a sentir-se um tanto enfraquecido se passasse horas sem comer – ainda mais dançando, como imaginava que faria a noite transformar-se em dia claro. O bar escolhido era capitaneado por um tiozinho de sorriso um quase nada agradável demais, e o único outro cliente, com quem o tiozinho conversava animadamente, causou-lhe alguma impressão pela baixa estatura e pela atrofia que apresentava em um dos braços. Questões de ordem cármica passaram por sua mente já inclinada à apreciação dos fatos por um viés obscuro. Pensou em si mesmo e perguntou-se, mereceria a perfeição relativa de seu corpo? Pediu um x-salada com um ovo no lugar do hambúrguer.

O amigo, que costumeiramente vê a vida através de particularíssimas lentes, evitava por meio de uma bem-elaborada teia de eventos e teorias a confrontação direta do fato de que seu interlocutor não correspondia com a empolgação desejada. Ainda assim, falaram até que ele terminasse o sanduíche, comendo com sua habitual falta de coordenação. No chão entre seus pés, pedaços da casca do pão esquentado na chapa gritavam-lhe que tivesse a decência de nunca mais comer em público, poupando o mundo daquele espetáculo ridículo.

Duas barras de cereais depois, partiram, ele ainda um pouco mais aéreo, como se pressentisse a peixeirada a lhe ser desferida pelo destino a poucos metros dali, o amigo tecendo comentários sobre as possibilidades que a noite ofereceria.

Ela estava sentada com uma amiga à uma mesa logo na esquina, exatamente no bar do garçom famoso – o primeiro estabelecimento a ser descartado por causa dos preços extorsivos. Talvez a surpresa tenha sido igualmente intensa para ambos. Os olhinhos azuis e pretensamente tímidos dela olharam para os dele como quem esperava uma cena, ou qualquer reprimenda pelos muitos meses sem o menor sinal de vida ou consideração.

Ele, por sua vez, absorvia como quem engole uma moeda de um real toda a beleza que há muito só era vista por esforço de memória ou imaginação. Não lhe escaparam a alvura da tez, ou os cabelos cortados como na época em que se conheceram. Imaginou-a com os óculos, que foram na verdade os causadores de tudo: ao colocá-los, naquela ida noite de junho de 2002, ela se transformara como que por mágica em sua ex-aluna, a mesma que lhe causara tantos momentos de apreensão por sua devoção sincera e intensa, que fazia das aulas particulares de inglês no apartamento dela momentos de profunda agitação para o professor cônscio de sua posição e da confiança depositada pela mãe da garota de apenas quinze anos.

Longe, muito longe de si mesmo, perdido em alguma instância inarticulada daqueles olhinhos, ele a cumprimentou com uma ou duas obviedades, e afastou-se antes que a resposta se perdesse no silêncio e ficasse evidente que as palavras, assim como suas pernas, lhe faltavam por completo. Somente depois foi lembrar-se de que havia ignorado a amiga dela, que deve ter assistido àquela cena com bastante curiosidade.

O amigo não viu nada disso, tendo ficado do outro lado de uma pequena multidão. Quando se reencontraram, à primeira menção do ocorrido, ele provavelmente percebeu que a noite havia acabado ali. Ele deve ter olhado para o amigo, agora já totalmente imerso em seu momento Malhação, com um misto de condescendência, irritação e piedade. Que companhia para uma madrugada que deveria ser divertida! Entraram na casa noturna ainda vazia.

O reencontro havia abalado mais que suas estruturas emocionais; houve um efeito verdadeiramente físico, uma espécie de cansaço somado a repetidas pontadas no coração a cada vez que alguém surgia pela passagem à vista de onde eles haviam se sentado. O amigo procurava (e encontrava) diferentes assuntos de interesse mútuo, mas pouco poderia ser feito.

A dúvida que o assolava resolveu-se em pouco tempo: sim, ela entrou na danceteria, e passaria a noite ali. Não seria a primeira vez que eles ficariam cruzando-se a noite toda, e ele ficaria se perguntando se sua presença faria ou não alguma diferença para a última garota que ele acreditou amar em sua vida. Era enorme a probabilidade de que se falassem, e talvez até um beijo acontecesse. Mas e depois?

Mesmo o “agora” seria quase impossível. Sentia o gosto do lanche na boca seca, o que lhe minava de vez a confiança em si mesmo. Não poderia aproximar-se dela a menos que tudo estivesse perfeito, e a impressionasse como na noite em que se conheceram, ou em outras tão memoráveis quanto.

Logicamente, depois de passar como se não o tivesse visto, ela resolveu parar para conversar com a amiga poucos metros atrás de onde ele estava. Como não olhar o tempo todo? Como não sentir o coração morrer, batendo em total descompasso com a inalterável música eletrônica, que não encontrava eco algum em sua alma? Techno! Ele deixou de gostar disso por causa dela, adotando até mesmo a frase que ela usava:

-- Música eletrônica me irrita, com aquele tum-tum-tum incessante.

Tum-tum-tum-tum. De repente a discussão sobre compassos e batidas que ele travava com o amigo chegou a um fim abrupto, imposto pela opressão insuportável do lugar, do som, daquela presença que urrava em seu coração que ele havia falhado falhado falhado falhado falhado:

-- Olhe bem para o que você perdeu por não ser bom o bastante, por não ter equilíbrio o suficiente, pela sua falta de firmeza. Abjeto! Derrotado! Vai olhar para ela a noite inteira sem poder tocar, e ai de você se se atrever! Mas não seremos assim tão ruins: ela virá conversar com você, quando for absolutamente impossível de evitar. E com um sorriso e palavras amenas vai te reduzir a menos ainda do que você é no momento. Temos pena do que será de você.

Ele menos saiu do lugar do que foi espirrado para longe, espremido pelo peso do que sentia, como se fosse o conteúdo purulento de um abscesso. Como companhia, o amigo compreensivo deixou-lhe um vaticínio:

-- Tudo bem, né meu, nem esquenta. Tô ligado que de repente nem é dela que você tá fugindo.


II

Zonzo de tristeza, ele começou a descer a rua Augusta registrando de maneira muito vaga em sua mente o trânsito característico das madrugadas de final de semana naquela região: dezenas de moleques bêbados de álcool e hormônios, comprimidos em carros e peruas, berrando suas frustrações para travestis e prostitutas e fingindo uns para os outros ter uma masculinidade que provavelmente jamais alcançarão em todo o decorrer de suas vidas pré-programadas.

Pouco adiante do bar onde havia comido, pisou numa poça de vômito, que roubou de seus pés por um instante a dureza da calçada de monótonos ladrilhos bicolores: contornos sem fim do Estado de São Paulo. O vômito continuava mais abaixo, mas ele escolheu desviar dos róseos restos do jantar de alguém.

A necessidade de escrever não tardou em se apresentar. Ele, todavia, não carregava senão seu rádio e um livro. Solução foi entrar em um bar de reputação suspeita (entre tantos, ao seu redor) e comprar papel e caneta. Pensou que causaria alguma surpresa com tal pedido, mas o atendente dispensou-lhe tão-somente um tédio infinito acumulado em anos de mesmice. À guisa de receptáculo de seus dizeres, saquinhos brancos para sanduíche.

Sentou-se em um degrau no prédio abandonado ao lado de uma sauna e, enquanto o promoter tentava convencer os infinitos grupos de jovens que suas garotas eram mais quentes que as dos outros, ele preencheu ambas as faces de dois dos saquinhos com uma letra que quase não reconhecia como sua, tão mal-feita, uma seqüência de rabiscos. As negociações acontecendo à sua frente não ajudavam muito:

-- Aí, camarada, sexo explícito? Sexo total. São mais de vinte e cinco meninas ali, ó, pra você. Aí, amigos, vamos entrar e dar uma olhadinha?

Por fim exaurido de idéias, continuou a descer a rua, cada vez menos seguro de sua capacidade de driblar as armadilhas que iam-se multiplicando em seu caminho. Dali a não muito, a noite testemunharia momentos difíceis de distinguir daqueles vividos em meados de agosto ou setembro do ano anterior, quando, em seu consumo sôfrego de tudo que tivesse o mais leve sabor de decadência, ele mordeu um bocado bem maior do que poderia engolir. Abstêmio que é por filosofia e por definição, nem ao luxo de redentores hiatos em sua memória ele poderia dar-se: quando muito, esqueceu-se de como chegou em casa, se já havia clareado o dia ou não. Detalhes. Os atos e decisões tomados nas horas precedentes, estes o acompanhariam por um bom tempo ainda, menos como lição aprendida que como prova incontestável de sua pequenez de espírito.

O dia propriamente dito, depois de um sono pontuado por sonhos de densidade relativa que o fizeram questionar sua capacidade de transformar em ficção sua própria vida, ele o viveu como se nada tivesse acontecido: velhos amigos solicitavam sua companhia, e era imperativo que se mostrasse cordato, jovial, esportivo. Deslizes deram-se, naturalmente, mas ele fez o que pôde para permanecer no controle.

Ainda assim, quando a amiga que lançava seu primeiro livro o chamou, durante seu discurso de apresentação, para a frente dos microfones afim de improvisar um poema, quando ela o incumbiu de escolher um tema, ele disse:

-- Saudade,

e foram aqueles olhinhos azuis que se abriram em seu peito e guiaram cada uma de suas palavras.





Post retroativo n.º 02/04: Por que, Deus meu, quando estou mal, nos reencontramos?

Sábado, 17 de Janeiro, 2004


Eu fui até lá de bicicleta, mas me lembro também de ter andado por alguns quarteirões, pois vi um gato preto no alto de uma ladeira e isso nos levou a conversar sobre o bicho de estimação do Hélio.

O Hélio já mordeu o próprio gato.

No trem, minha amiga, que já não lembro mais quem era (Suzie?), havia arranjado um encontro às escuras pra mim, mas quer saber?, quando entrei no vagão descobri que gostava do que estava vendo. Aquela linha de trens, eu só devo tê-la usado uma ou outra vez, a propósito sério nenhum: rolês.Nos sentamos lado a lado, os sorrisos ainda sem coragem de dirigir-se senão ao chão, nossas pernas pressionavam-se mutuamente, com leveza.

Já na loja, eu observava da escada semi-encaracolada o que fazia no computador do mezanino o rapaz que dividia a propriedade da loja com o outro que subia, com cara de quem havia acabado de acordar, os talvez dez degraus para baixo de onde eu estava. Não apenas sua cara indicava tempo breve de retorno ao mundo dos ditos despertos, ela trajava apenas uma samba-canção amarela, e estava descalço. Bocejava, também, creio. Parou no corrimão ao lado da pequena plataforma circular que agüentava o equipamento, o amigo (com quem dividia a propriedade da loja de informática e – principalmente – afins) e a namorada deste, uma garota com feições de menina rica, mas sem as afetações típicas do estereótipo, pelo menos à primeira vista.

Não que ela tenha feito muito além de ficar às costas do namorado, olhando a tela do micro por cima do ombro dele e fazendo uma ou outra pergunta ou observação. Gritar mesmo, só quando o amigo recém-acordado resolveu to gross out o casal esfregando partes de sua anatomia no cotovelo do amigo e sócio, pelo que recebeu um empurrão que quase derrubou os três de suas posições.

Quando os clientes chegaram eu era o único no estabelecimento, o que só pareceu não fazer diferença por um instante, quando perguntaram pra mim onde os garotos estavam. A música do Earth, Wind & Fire já tinha terminado de tocar, mas não me lmebro da que veio em seguida. Assim que um deles apareceu, voltei a parecer invisível, pois a cena concentrou-se no reencontro, aparentemente depois de anos, entre Kevin Bacon e sua mãe, ou melhor, entre o personagem de Kevin Bacon e sua mãe.

A atriz era excelente, e eu prestei muita atenção aos olhos do Kevin, que me pareceram adequadamente expressivos mesmo por detrás dos óculos escuros. Afinal, em Sobre Meninos e Lobos, ele é um policial, um detetive, se não me engano, e eles usam esse tipo de adereço o tempo todo.

Acordei com o entregador do Submarino na porta, trazendo em tempo recorde meu cd novo dos Pretenders, Loose Screw:

I should have, I should have
I could have, I could have
Oh, fuck, I really miss you
I really miss you

I should of tried a little harder
I should have cried a whole lot louder
I should have lied with more aplomb
I, I, if only I, I should have known



Post retroativo n.º 01/04: Dias antes da internação

Agosto ou Setembro de 2003


coisas que as pessoas de onde trabalho sabem:

- eu saí de lá nesta sexta-feira sem saber para onde ir. Sem novidades.

coisas que as pessoas de onde trabalho não sabem:

- lá pelas tantas eu decidi chutar baldes e consegui;
- tive uma conversa muito boa, talvez o jeito da vida me compensar pelos vários momentos ruins que se seguiriam a ela;
- incorri no mesmo erro que me levou a uma profunda crise em maio deste ano. No mesmo lugar, no mesmo horário, praticamente do mesmo jeito;
- tentei fazer uma cena e não consegui;
- tentei chorar e não consegui;
- tentei ser preso e não consegui;
- tentei concretizar delírios de redenção por meio de suicídio assistido e não consegui;
- procurei decadência e humilhação em nível master e encontrei;
- descobri como se sentem logo após prestarem serviços aquelas pessoas que, por profissão, afogam qualquer vestígio de dignidade.


coisas com as quais as pessoas de onde trabalho não se importam:

- todas as anteriores.


Vê quem tem olhos de ver, ouve quem tem ouvidos de ouvir.

---

E talvez nos olhos que por segundos interrogaram os meus (eu não respondi nada), naquele momento de permanência (eu só fiquei por indecisão), na resignada vigilância (à qual escapei em meu desejo por auto-punição, e não compreensão ou carinho), talvez justo em quem eu na hora julguei não ter nada a oferecer, talvez ali estivesse uma saída honrosa por misericórdia divina oferecida.

Ou talvez não, e eu estivesse certo em meus pensamentos.

Como sempre, tudo deve ter acontecido como deveria ter acontecido.

---

Só eu percebo o quanto engordei?

Não, desde já eu respondo.

Por estes dias mostrei a curvatura de minha barriga a uma colega de trabalho, e ela assustou-se: o que é isso, Luis? O que você anda comendo?

Eu poderia ter respondido a verdade: há muito que perdi a medida. Que fazer, se a cada mordida estala em meus centros de prazer (cerebrais, viu?) o êxtase que terminantemente me nega a vida.

Hoje em dia como loucamente para ser feliz, que não há – mesmo -- outro caminho.

---

E por momentos me esqueci que isto não é o underdosed and writing the blues. Mas fuck it, nem todo o tempo é fácil administrar dilemas lingüísticos. It’s a fact that there’s way more truth over there than here.

But then, this is what they require of me. Isn’t it?

E quer saber do que mais?

Não há Poirot que brilhe sem um Capitão Hastings.

Damned Frenchmen.

---

(suspiro)



sexta-feira, janeiro 16, 2004

Pronto, já estou pedindo socorro por dentro de novo.

É como um tipo de epilepsia em que os espamos são ondas de desespero, de terror difuso, ainda que eu não diria de pânico, exatamente. São muitas vontades sobrepostas, de resolver/morrer/fugir/namorar(!)/estar sozinho e-ou na estrada/olhar a cidade dos pés do Cristo Redentor.

O silêncio, é claro, é a melhor saída, já que os amigos mais próximos já devem ter se cansado desse tipo de assunto. Been there, done that.

O silêncio, porém, exarceba tudo, e eu olho para os muitos rostos absorvidos em seus próprios mundos e afazeres, coloco Whisper para tocar pela terceira vez consecutiva e me rendo à indignação: oh, por que ninguém percebe!? Oh, they don't care, they don't care, they don't!

Eu não sei se morro de pena de mim mesmo, de imaturidade ou de ridículo.

Deve ser engraçado morrer de ridículo, deve dar um obituário e tanto.

Eu queria poder cantar a plenos pulmões com a mocinha da banda, de cujo nome agora me esqueço. Nem sempre eu canto mal, sabe.

Vocês precisam me ouvir singing along to Stone Temple Pilots, Alice in Chains e Coldplay.

E Whisper vai para a quinta execução seguida, ou talvez eu volte para a faixa seis, Tourniquet.

Será que alguém sofre de verdade ouvindo Evanescence?

Eu estou ouvindo Going Under e me lembrando do videoclipe, que se parece muito com a maneira que eu vejo o mundo e as pessoas, e isso está doendo tanto.

Espero que isso seja só uma debilidade momentânea relacionada a uma sensação aguda (ainda que passível de discussão) de isolamento emocional/social, e não um baixar definitivo de parâmetros estéticos.

I'm falling forever. I've got to break through. I'm going under.

quarta-feira, janeiro 14, 2004

Eu não precisei de mais do que algumas dezenas de passos para ficcionalizá-la: eu já havia começado a fazer isso antes mesmo de descer do ônibus -- talvez quando ela olhou para o relógio e comentou para si mesma: "vixe, nem nove horas, ainda".

Eu não vi seu rosto nem de relance. O máximo de contato que tivemos foi quando ela disse "ai" ao sentir minha mochila encostando em sua canela, e isso logo que eu me sentei. Só D-us sabe há quanto tempo ela conversava com a Tati, então.

Seu nome é outro dado que eu provavelmente jamais saberei. Sei, contudo, que:

- Ela subiu no ônibus na estação Armênia do metrô.

- Ela está namorando há pouco tempo com um homem que a está levando a um reencontro com sua fé no sexo masculino.

- O namoro é bem recente, e "se ele se comportar direitinho, não traí-la nem dar essas mancadas", pode ser algo de bastante longa duração.

- Ele causou uma impressão bastante profunda nela ao divinar que ela não é lá muito paciente (ele disse isso quando ela tentava acertar a sintonia do rádio ou da televisão, e em menos de dois minutos já estava prestes a chutar o aparelho).

- Ela não sabe qual o signo que regeu o ano passado, mas 2004 é o ano do escorpião, portanto tudo que ela, escorpiana, almejar, ela vai conseguir, desde que vá à luta.

- O valor da conta não é a maior de suas preocupações, já que, enquanto eu me incomodava ao perceber que seria impossível me concentrar na leitura do tijolo Tom Jones com a jovem praticamente berrando em meu ouvido direito (que já estava, sem exageros, doendo), ela afirmou que, por ela, ficaria falando até chegar em casa.

- Ela não estava assim tão alheia à platéia que seguia em silêncio a conversa, pois a certa altura ela fez algum comentário jocoso sobre os homens e complementou com um "mas deixa eu ficar quieta, né, Tati, senão eu vou apanhar aqui no ônibus".

Foi somente quando ela achou por bem desligar o celular que alguns recém-chegados ensaiaram uma conversa amena, interrmpida pela observação sobre a hora que abriu este post.

Na verdade, foi somente quando ela se calou que todos nós outros passageiros nos demos conta de que estávamos em um ônibus, e não acocorados no criado-mudo dela, desfrutando da intimidade de seu quarto de moçoila que sonha ora com dias melhores, oras com o Fábio Assunção.

Isso são, logicamente, linhas gerais, porque agora eu não me lembro mais das palavras exatas. Lembro-me apenas que andei os quatro ou cinco quarteirões até em casa pensando em sapos, batráquios e afins.

É que ela pontuava tudo o que dizia com rã, rã, rã.

McLuhan is not dead:

Clique aqui e descubra o mundo mais do que elegante da moça da televisão.

Eu acompanho.

E eis que neste artigo sobre o BBB4 eu reencontro, depois de muitos anos, a querida expressão "pagar um peitinho".

A emoção foi grande. Nos abraçamos muito, rimos, choramos... enfim, foi um momento tocante e bonito.

Acima de tudo, driblamos a segunda oportunidade do dia de fazer um trocadilho tenebroso, e só isso já teria valido a noite.

A dermatologista gatinha e feliz ficava pegando no meu braço enquanto falava a centímetros do meu rosto, olhando-me nos olhos e dizendo que eu não me preocupasse com manifestações que são naturais para a pele negra.

Quando ela viu que eu percebi, afastou as mãos rapidamente.

Estou pensando muito no que fazer terça que vem; se digo que a amo e a peço em casamento (em que pese minha atual situação conjugal de homem feliz com a esposa), ou se marco consulta com outra pessoa.

Ao desligar o telefone, percebo o quanto estou sem ar. Todas as aletas do aparelho de ar condicionado estão voltadas para cá, mas e daí?

As persianas fechadas potencializam a claustrofobia.

O negócio é ficar pensando em níveis de registro, ou como quer que se chame em português as oscilação discursiva entre formalidade e informalidade. Eu perdi a capacidade de saber quando pender para um ou outro lado, misturo termos e gírias, sotaques e empostações, pontos de articulação.

- Ia ni hatchú paebídiat vmíestie samnói.

Eu fiz muitos planos escusos para a manhã, mas dormi todos. Sigo irrealizado.

As pessoas:

a) não entenderam o lance do macuquinho e/ou não têm senha da UOL;
b) precisam expressar-se muito, de muitas formas, por muito tempo;
c) têm o caminho cruzado por bêbados exibicionistas e/ou beiram o sublime em seus comentários;
d) ouvem repetidamente os minutos finais de Porno 3003, do Pizzicato Five, na versão remixada pelo DJ Dara em Happy End Of You.

saa
relax shite
motto
fukaaku kokyu wo shite kudasai


É isso que eu faço agora, pra ver se a tarde pega no tranco, ou no tum-tum.

Ou não. Na verdade escrevi as linhas acima há horas, e agora só estou ouvindo Coldplay, chorandinho (os olhos ficam marejados, mas não chegam a formar lágrimas, contribuindo para a manutenção do decoro profissional).


1)
They spun a web for me.
They spun a web for me.
They spun a web for me.

2)
In a haze, a stormy haze, I'll be 'round, I'll be loving you always. Always.
Here I am and I'll take my time. Here I am and I'll wait in line always. Always.

46 segundos do meu dia (entre outros memoráveis) foram perfeitos.

terça-feira, janeiro 13, 2004

Querido Diário:

Hoje eu descobri que os termos migué, miguel e miguelar não constam do dicionário.

Num átimo, a metalingüística implícita vazou pelas quatorze polegadas do monitor e subjugou meu mundo, embebendo a tarde em clorofórmio e obstruindo com ela o já deficiente intercâmbio entre a camada gasosa que envolve a Terra e meu aparelho respiratório (eu sou portador de fossas nasais):

- Presidente-da-porcaria!, presidente-das-porcarias!, capitão-da-porcaria!, capitão-das-porcarias!

Quando voltei a mim, nem um momento havia se passado, nem tampouco nada havia acontecido.


domingo, janeiro 11, 2004

No momento eu estava perdendo a cabeça, lendo demais e perdendo a cabeça, e eu estava tentando avançar, eu já estava lá, lendo demais e perdendo a cabeça. Esta informação causou uma ruptura na linha, agora eu estou me lembrando de comida e lendo demais, é tão legal.

A fonte é menor do que formigas na grama, vou ter que pôr isso de lado agora. De manhã haverá coisas para ler e palavras para dizer e comida para se alimentar, mas eu não estarei lá. Estarei me agarrando a um megafone apontado para a minha cabeça. Você estará lá?

Faria a gentileza de ler isto palavra por palavra em alto e bom som? (Eu não consigo me lembrar de tudo.) É preciso ser claro, eu te digo; se o sentimento cair da sua voz, você faria a gentileza de pegá-lo?

É assim que sairei esta noite: vestido de azul, como manda o figurino, esta noite.

É assim que sairei esta noite, mas eu não preciso de figurino.

Estamos falando de âncoras, navios, mares; estamos falando de tudo que você precisa (você deveria estar trabalhando, agora, não simplesmente perguntando como e onde você estará). Não acho que você vai estar pensando quando o cérebro estiver morto e a mente tiver assumido o controle -- isso é uma habilidade, não uma brincadeira.

Onde você esteve? Está conosco? Pode nos ouvir?

Tem um megafone apontado para você.

É assim que sairei esta noite: vestido de azul, como ditam as regras, esta noite.

É assim que sairei esta noite, mas eu não preciso de regras.


T.D.B.

Começou assim:

Se em alguma hora
O sol bater e lhe dizer
"Tu é um canalha"
E se eu achar que sou

Lunático
Que se dane
Sou eu que tô pagando

Lunático
Que se dane
Sou eu que tô pirando

Não dê bola
Se eu te trancar no quarto uma semana
Não dê bola
Se eu te passar bolachas

Por debaixo da porta
Sou eu que tô passando
Bolachas debaixo
Da porta
Eu tô amando



Aí eu não resisti, e comprei.

Por sinal, a satisfação já estava mais do que garantida.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

E as crianças, como crescem rápido, não?

Quando eu vi essa menina pela primeira vez, ela tinha meros sete anos, era um bebê.

Hoje está aí, entrando na faculdade, apagando a barriguinha no Photoshop antes de publicar as próprias fotos e...

... a dois passos do ALTAR.

E com um moço virginiano!!

Ah.

(suspiro feliz)

O ano começa com um bom número de eventos positivos, alguns supreendentes, outros absolutamente impressionantes.

Pela primeira vez em quase dois anos, o Hélio me deu algo de livre e espontânea vontade!

Tudo bem que foi um pedaço do mesmo bolo que ele me impediu de comer minutos antes, utilizando-se de elogiosos comentários como:

-- Credo, Luis! Vai comer bolo, ainda? Tá furado??

Como se, para um homem de 1,90m há cinco horas sem comer, uma esfiha de queijo, um pão de queijo recheado com cheddar, um suco de caixinha e uma cocada com chocolate fossem suficientes.

Ah, teve um café espresso grande, depois.


...


Tá, na rua eu tava me sentido cheio, mas a observação dele foi inconveniente, de qualquer jeito.

Eu deveria falar sobre a profunda decadência e quase total anulação do valor da figura masculina/paterna na sociedade estadunidense, e no tanto que as relações familiares mundo afora são influenciados pela exposição constante aos modelos made in USA.

Os exemplos são os mais numerosos e conspícuos:

- Six Feet Under, minha série n.º 1, onde todos os pais morrem, ou chegam à beira da morte. Por sinal, não existiria história se a morte do Sr. Fisher, o patriarca da família, não morresse logo no primeiro capítulo, forçando o filho mais velho a voltar para Los Angeles e assumir o negócio da família (uma funerária caseira) ao lado do irmão. Mais tarde, ele também assume a paternidade e quase morre. Mais tarde ainda, seu casamento quase implode quando sua ex se reaproxima... trazida de volta à sua vida pela morte do pai dela. E quer exemplo mais extremo do que um "cliente" morto chamado Daddy?

- Eight Simple Rules (for Dating My Teenage Daughters), cujo ator principal John Ritter, o pai, literalmente morreu em meados do último ano, mas nem por isso a série foi cancelada (afinal, ele era o pai ao redor de quem as situações aconteciam...). Por sinal, esta série tem a segunda Filha Ruiva Adolescente Mais Chata da TV Estadunidense, que só perde pra intragável Lily Finnerty do Grounded For Life, outra série sobre parental units (pais) incompetentes (neste caso, pai e mãe).

- The O.C. , onde o pai que adota o personagem principal é um surfista banana quarentão que não chega a um centésimo da complexidade da esposa, assim como seu vizinho.

- The King of Queens, cujo personagem principal é um homem que tem uma relação quase edipiana com a esposa, fazendo ele mesmo o papel do filho que eles optaram por não ter.

- Os próprios Friends, onde todos são bananas, granted, mas o único a assumir uma paternidade é o mais banana de todos (Ross).

Eu poderia facilmente chegar ao quinquagésimo exemplo, e até citar alguns em que o papel do homem estadunidense é escarafunchado de uma maneira um pouco menos diretamente pejorativa (Becker, My Wife and Kids, Two and a Half Men, Smalville). Por outro lado, eu poderia também fazer uma lista interminável de séries onde os homens são apresentados como seres absolutamente desnecessários e/ou secundários: Charmed seria a mais gritante, ou What I Like About You, for that matter. Mas há também Birds of Prey, Gilmore Girls, ou a série para (pré-)adolescentes Lizzie McGuire, exibida no mesmo Disney Channel dos desenhos Kim Possible e Família Radical, que têm garotas nos "papéis principais".

O que eu quero provar com tudo isso, correndo, reconheço, o risco de ser um pouco generalista, é que, na sociedade mais influente cultural e economicamente do planeta, a figura masculina/paterna parece ter sido definitivamente deslocada de seu papel de autoridade, ou mesmo de figura provedora. O homem tem sido implacavelmente questionado, feito ridículo, infantilizado, emasculado.

Quanto será que absorvemos desse fenômeno, conscientemente ou não? Eu, por exemplo, nunca havia parado para pensar que minha identificação absurda com a Six Feet Under estava relacionada também a isso, e foi preciso um profissional me despertasse para a questão, comentando que o parricídio era um elemento bastante presente na obra de um de meus autores máximos, Dostoiévski.

No mais, sendo homem, além de culturalmente formado segundo padrões importados, fico numa posição muito incômoda, vivendo numa era em que todos os parâmetros (quando existem) são flexíveis ao ponto de se tornarem nulos: esse questionamento do papel paterno/masculino é bom e ruim, por vários motivos. Estar liberto do falido modelo homem-não-chora é tão empolgante quanto castrador, e observar a inexorável asserção dos valores e direitos femininos, idem. Isso tudo deve redundar em alguma evolução, mas qual, é impossível dizer: nem sempre esse questionamento ou asserção vem acompanhado de qualquer proposta; abre-se a ferida mas não se aplica sobre ela nenhum linimento.

As próprias mulheres andam confusas com o esvaziamento da figura masculina (em que pese o fato delas mesmas terem impulsionado o fenômeno em sua luta -- justa -- pelo fim de sua "submissão presumida"). Querem um homem paradoxal, impossível, um ser transexual com a psique feminina (sensível, carinhoso, "prendado", esteticamente informado etc.) mas com a fisiologia e instintos masculinos (um macho que as satisfaça sexualmente e reforce sua imagem na sociedade). Por sinal, há cada vez menos diferença no que os sexos esperam um do outro, o que é extramemente positivo e ao mesmo tempo perigoso: com o homem esvaziado, a mulher será o novo homem? Qual a vantagem disso? Onde está o ponto de equilíbrio?

Se com relação a mim mesmo posso formular teorias quanto ao efeito que esse aspecto da cultura estadunidense tem sobre mim, não fica tão claro até que ponto esse efeito se dá sobre outras sociedades -- como, por exemplo, a nossa. Somos mesmo afetados?

Veja o caso de Os Normais, nossa sitcom de maior sucesso: o casal Rui e Vani é moderno? Sim, sem dúvida. Ambos parecem ter um nível razoável de consciência da própria situação e possibilidades, mas é interessante que, apesar de toda essa "modernidade", a mulher continua submissa ao homem, "aceitando" os "pequenos" defeitos dele (como a infidelidade crônica, por exemplo), em nome da manutenção do relacionamento.

Isso, por sinal, é uma coisa que as mulheres estadunidenses (as negras, mais ostensivamente) e as brasileiras têm em comum: as duas praticamente partem do princípio de que o homem não vai ser fiel, o que se desdobra em uma série de conseqüências, sendo a mais paradoxal o incentivo velado à infidelidade, que passa a ser "perdoada" como "natural" ao verdadeiro macho, esse ser tão cobiçado. O filme Falando de Amor (Waiting to Exhale), com a cantora Whitney Houston, é um dos mais gritantes exemplos desse machismo incorporado. A cena da festa em que ela chega sozinha e é fulminada pelos olhares das mulheres acompanhadas resume tudo.

E você, que, se está lendo isso, pertence à elite cultural do País (a parcela da população que tem acesso à internet)?

Como o modo de vida "americano" te afeta?

Freqüência, que eu não tenho nenhuma, nem constância.

Constância, por sinal, que era o nome da personagem dela, ela que me persegue sempre que sinto medo, somando a este uma amarga sensação de fracasso.

Como assim, você não tem idade pra se lembrar da Tancinha? (suspiro)

Mas a Cláudia Raia você conhece, não?

Então, eu tenho fugido dela loucamente, nos últimos tempos.

Ou não.

terça-feira, janeiro 06, 2004

Ainda mais essa:

You are Neo

Você é Neo, do "The Matrix." Você
apresenta uma perfeita fusão de heroísmo e
compaixão.

Quem você é no "The Matrix"?
Um teste em inglês trazido até você por Quizilla


Dias Inesquecíveis

Dias invisível.



31/12/03

Manhã e tarde.

Final de tarde e noite.

F(e) e C comeram, S fez showzinho, F(e) e C homenagearam Bob, L foi mais tarde tido como fumante possível, entre outras suspeitas.

Destinos.

C = Atibaia, F = Jundiaí, S = F(a) e L = ?

23h.



A Virada

Companhia à meia-noite.

Outfit: cueca samba-canção de charmousse e camisa regata cinza desbotada de R$5,00.

Point: sofá da sala.

Ceia: ?

Tentação vaga, irrealizada.

Outras tentações significariam um sem-fim de contratempos.



01/01/04

Nuvens.

Pânico.

Clausura.

Britney Spears.



02/01/04

Minha mãe completaria 58 anos de vida, nesse dia, mas graças a esse costume besta que as mães têm de morrer, cedo ou tarde, como todo ser humano, ela só completou 7 anos, 7 meses e 5 dias de morte.

Nuvens: São Paulo feita inviável.

Pânico: no trajeto até a padaria da esquina, taquicardia e transpiração excessiva. Absoluto pavor de cruzar com meus vizinhos, e cruzei com meus vizinhos, por que eles estavam sorrindo? Por quê? Por quê?

Clausura: sem fundo, sem fim, sem fundos.



03/01/04

Nuvens.

Pânico.

Clausura, interrompida por avó com crise de diabetes. É horrível quando ela está assim e dorme, porque eu nunca sei se está viva ou morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta morta como minha mãe.

Insônia.



04/01/04

Sol?

De que adianta sol com avó no hospital?

Clausura clausura clausura, e ainda um pouco de medo.

O trabalho que eu deveria ter feito, as tarefas domésticas atrás das quais me escondi.

A noite trouxe o homem cujo estado de consciência durante a primeira madrugada do ano foi, segundo consta, memorável, como sempre. A avó voltou, safe and sound and telling tales of doctors and corridors and nice wheelchairs.

E eles tomaram conta da casa de novo, sufocando minha vontade de existir ali: alvíssaras!, ainda tinha um comprimido!, e foi essa a primeira noite do ano em que eu dormi.



05/01/04

Entre outras confirmações tristes que não compartilho.



06/01/04

Eu não consigo levar a cabo meu serviço.

Levará horas até que eu possa saber quem é Ted Leo, mas levou segundos até que cada adjetivo utilizado por ela encontrasse eco em mim (ou em minha percepção de mim mesmo).

Imagino se ele também concordaria, nessa questão, ou se (no meu caso, bien entendu) tudo resume-se a querer/precisar disso.

(suspiro)



07/01/04

Levarão meus textos para lugares distantes que eu dificilmente conhecerei tão cedo.

(Se eu realmente pudesse estar onde minhas idéias estão.)

O Hélio entrará em seu 24º ciclo de 365 dias (mais 12 meses sem prestar atenção no que eu falo).

Eu chegarei o fim do dia, ou a outro fim de mim mesmo, o que vier primeiro.

E quem detem as chaves da vida e do auto-conhecimento é ela, somente ela e mais ninguém (Madonna... talvez seja finalmente ela mesma): o mundo, este mundo, talvez este e o próximo mundo, enfim, todos os mundos pertencem a Britney Spears e ao inexorável vazio que a sucede.

I am the source of my own disease.

My soul is lost In The Zone.

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