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terça-feira, outubro 28, 2003

Quando o corpo se educa para ir dormir por volta das onze, sentar em frente ao micro às três da manhã de um dia em que se precisa acordar cedo é puro masoquismo.

Exigir coerência de qualquer coisa que se escreva, então, é o outro lado da moeda S&M.

Mas escrevo, ainda assim: olha a data do último post! Dia quinze! Omessa.

Escrevo, sim: um vazio não justifica outro(s).




Se bem que reclamo de barriga cheia, e não me refiro aos muitos copos de suco de abacaxi Mid Sugar (que, de um jeito ou de outro, estufam-me): nem tudo anda pessimamente resolvido.

Vou fingir que não entrevi os muitos subsolos e, ao fim desta semana que sabe D-us quantos dias terá, repetirei baixinho para mim mesmo três vezes, batendo os calcanhares destas botas que só não são mais estranhas que os caminhos que me aparecem,

do fundo do poço só se vai para cima

do fundo do poço só se vai para cima

do fundo do poço só se vai para cima.


Quem sabe, funciona: eu abro os olhos e estou em Arkansas (que, por sinal, pronuncia-se ér-quen-sóu) plantando milho, com visto e tudo.

Ou no Kansas (quén-zas), eu nunca sei.




E agora, silêncio, de novo.

O único micro do lugar de altas paredes verdinhas não é de fácil, nem possível, acesso.

Muita paz para todos cujas vontades não pertencem ao Ministério Público!

Salve o SUS!! Salve o INSS!! Salve!!!


quarta-feira, outubro 15, 2003

(A mente de um suicida - Parte III)
Questões de Credibilidade


-- Então você quer se matar, se imbecil? Problema seu! Mas é melhor você conseguir da próxima vez. Idiota.

(A mente de um suicida - Parte II)
Pensemos por um momento nas pessoas que enfrentam com coragem a vida.

Ó pessoas de muita fé!

Ó idolatrados filhos do Altíssmo!

Bem-aventurados sejam vós todos que, diante das mandíbulas dos leões que se lhes atiçam, bendizem o nome do Senhor! Hosana nas Alturas! Vosso lugar está assegurado à desta do Filho Do Homem, e os anjos e santos cantarão a sua glória, e seu exemplo atravessará a largas braçadas os rios da História, soprados pelo próprio Tempo, e as gerações vindouras narrarão seus feitos ao redor de fogueiras e em rituais festivos.

Pobre daquele que não encontra em si mesmo alento. Daquele que olha dentro de si e pergunta, para onde, meu D-us, eu ainda não fui? Aquele que se pergunta: meu D-us, se meu caminho é à esquerda, porque montaste minha casa na mais extrema ponta da rocha mais extremanente à direita de todos os caminhos possíveis?

Porque eu sou quem e onde sou, e a vida, nas tantas vozes que dela se apossam, quer-me alhures. Quem são essas vozes? Que sabem eles? Que viveram? Quem está aqui a meu lado que eu possa ver? D-us, são Tuas as pegadas no caminho, porque bem sabes onde meus pés me levaria por si só. Meus caminhos são outros, são iníquos e cansativos.

Meu D-us, eu atento contra minha própria vida por cansaço, por repetidamente provar-me não ouvido por ouvido alguma. Olha o rapaz que se diz meu amigo, que nem os olhos me levanta. Olha meus companheiros de trabalho, que guardam de mim distância como quem evita a lepra, a peste.

Pois é isto que sou, Senhor dos Exércitos? A maça podre a ser extirpada do teu virtuoso cesto? Então por que não fez efeito, minha tentativa? Por que eu tive ainda condição de chegar aqui e trabalhar como se nada tivesse acontecido?

Que não se registre ingratidão da minha parte, isso nunca. Muitas foras as palavras de alento, algumas até surpreendentes.

Mas por que é que a gente tem que devotar carinho a quem menos nos quer bem??

Tinha um rapaz aqui que eu pensei que fosse meu amigo.

Isto é um post que deveria talvez ser lido depois do outro, porque ele fala sobre desesperança.

Eu conheci uma pessoa nova esses dias, e isso deveria me trazer esperança. Mas o Fernando viu nas cartas que alguma coisa estaria errada. Como sempre, alguma coisa está sempre errada.

Eu conheci uma pessoa nova esses dias, e seriam braços que eu não recusaria ao redor dos meus ombros, boca que eu não negaria sobre a minha, peso que eu receberia bem sobre o meu.

Eu conheci uma outra realidade, com todas as suas pequenas inconsistências, todos os seus pequenos desencontros, e na verdade a história é muito mais bonita do que eu posso contar aqui.

Porque esse é meu blog em português, e, por definição, aqui eu minto, ou omito.

Mas tudo bem: eu hoje matei um blog e dei à luz outro. Lá a verdade subsiste.

A mente de um suicida
(pra que se saibam os porquês)


Um monte de gente aqui me olhando esquisito, porque é o dia seguinte.

No dia seguinte todos te olham estranho, e isso só faz aumentar a vontade, o impulso. Porque você e de onde todos os olhares vêm: daquela parte da cabeça deles que te acha ridículo e fracassado, como todos no fundo te acham ridículos e fracassados.

Olhares, mas no fundo você sabe que não existe coragem. Não há coragem para aquele ato final, porque sua mente já está inundada com conceitos espíritas de sofrimentos pós-morte: eu devo viver até os 84 anos, o que significa mais 54 anos vagando pelos umbrais com energias vitais terrenas sendo vampirizadas por espíritos em estado ainda mais lastimável que o meu.

O que eu mais odeio nessa vida é que tudo sempre pode ser pior, e geralmente é. Não existem pequenos momentos perfeitos que te dão alento ao espírito, há gente ruim, que quer te fazer mal, te contagiar com o que elas têm de pior.

A tiazinha da limpeza me odeia, ou tem nojo de mim.

Outro cara da limpeza, que antes me cumprimentava ao passar pelo corredor, de uns dias me vira a cara.

Em minha sala, pessoas me observam de soslaio, incertas quanto ao que fizer comigo como estão incertas ao que fazer com todo o resto. Não, não se engane: algumas dessas pessoas são realmente boas. Outras realmente não são.

Amarga decepção, o menino que eu esperava que fosse meu melhor amigo aqui... ele é apenas um covarde. Apenas um covarde.

E de repente isso não é mais uma tela em branco, é de novo a lousa em que escrevi, aos 11 anos, todas as minhas dores e frustrações para que a sala lesse, logo após o recreio. Eu expus aos olhos dos meus amigos toda a minha falta de amor-próprio, e tudo o que consegui foi um sermão da professora de português. Eu amava aquela professora de português. Muito do que ela disse ainda está aqui comigo.

E minha chefe me disse: porque você não vê nada de bom na sua vida?

E minha chefe me disse: porque você não começa sua vida em outro lugar?

E meu sub-chefe me disse: minha irmã começou como você e hoje está louca, à base de remédios como os seus.

E eu liguei para a minha médica, mas ela não me respondeu.

E eu procurei por um espelho, mas não preciso de nenhum pedaço de vidro pra ver toda a minha solidão refletida.

Foram uns cinco comprimidos de Rivotril, quando a dosagem normal é meio. Não foi suficiente nem pra eu ficar inconsciente, ou entrar em coma.

I DID NOT FUCKING DIE!

Eu falo sozinho numa língua que ninguém entende.


quinta-feira, outubro 09, 2003

...

Muita informação.

Eu estou tão feliz porque hoje encontrei meus amigos: eles estão na minha cabeça.

Eu sou tão feio, mas tudo bem: você também é. Quebrei nossos espelhos.

Por mim, domingo de manhã é todo dia, e eu não tenho medo. Acendo minhas velas num estado de torpor porque encontrei D`us.

Estou tão sozinho, mas tudo bem porque eu raspei minha cabeça, e não estou triste. E também, talvez eu tenha culpa por tudo que ouvi, não tenho certeza.

Estou tão excitado que mal posso esperar para te encontrar lá; eu nem ligo. Estou com tanto T, mas tudo bem, meu desejo é bom.

Eu gosto disso.

Eu não vou surtar.

Eu sinto sua falta.

Eu não vou surtar.

Eu te amo.

Eu não vou surtar.

Eu vou matar você.

Eu não vou surtar.


Lithium.
Nirvana.
Nevermind.

quarta-feira, outubro 08, 2003

Não, não, não foi ruim desta vez.

Nada tão catastrófico.

Sei apenas que meu desejo por paz e isolamento era tanto que eu fui de bicicleta Patagônia abaixo, e eu lembro nitidamente quando olhei num globo terrestre desses de aula de geografia e me certifiquei dos caminhos que me levariam ao Pólo Sul.

Eu vi praias lindíssimas, de uma beleza e frios inenarráveis, mas eu estava apenas de bermuda e camiseta, quente, talvez, do exercício.

A travessia toda deu-se no mesmo dia.

Uma vez na Antártida eu olhei longamente para o mar cinza-esverdeado, ouvindo-o correr com fúria por entre geleiras e cânions. Carreguei minha bicicleta até um lugar tranqüilo e alto e sentei-me na neve, onde, num estado de paz que há anos não experimento (se é que algum dia o fiz nesta vida), li minha revista em quadrinhos.

Findo o momento, hora de voltar, mas nem todos os caminhos eram acessíveis. Curioso, fui conhecer o Pólo, na esperança de ver, como nos desenhos do Pica-Pau, uma estaca vermelha e branca saindo da neve, marcando o ponto exato sobre o qual a Terra se “sustenta”. E ela estava lá, a estaca, e eu quis ir até ela, mas imediatamente à sua direita uma enorme geleira cedia e o terreno todo havia se tornado instável. Resignado, me dirigi a um vilarejo de esquimós onde havia ruas asfaltadas e, numa delas, uma espécie de feira com artigos típicos da região que, em minha cabeça, passou a ser o Alaska.

Tanto que falei em inglês com a pequena garota que atendia em uma banca de jornais: perguntei se em sua banca havia algum ATM (caixa eletrônico), e se além da compra que eu fazia eu poderia sacar algum dinheiro. Eu estava pensando em pegar um avião para voltar, já que os retornos de bicicleta sempre sobretaxam minha paciência de algum modo. Estava ficando tarde, também.

A garota apenas sorria e não dizia coisa com coisa. Irritado, comentei com o cara ao meu lado pra que é que, numa cidade pequena como aquela, eles deixavam nas mãos de uma criança o único ATM do local. O cara concordou solícito e me pareceu turista, também. Deixei-o, para que ele também passasse pelo sofrimento de tentar-se fazer entender pela garota na língua de Shakespeare.

Voltei à feira, que já se desmontava. Nas poucas barracas ainda com atendentes, grossos casacos de pele de urso, nas cores bege e marrom, roupa típica de esquimó, e alguns pratos típicos. Comi algo e comprei um casaco, acho. Não lembro o que meu irmão, que de repente notei estar comigo, fez ou disse, e acho que na seqüência ele sumiu, ou talvez nem tenha estado ali, porque tudo terminou quando eu pedalava desacompanhado por uma rua larga e plana, de cruzamentos amplos, como as ruas principais de pequenas cidades americanas.

Eu ia virar à esquerda quando acordei. Quase me sentia bem, para variar, apesar de ter dormido pouco mais que quatro horas (eram seis e dez).

Pensarei com mais carinho no Alaska, daqui por diante.

Mesmo porque é um pedaço de terra que já pertenceu à Rússia, é de que vêm Scott e Alex Summers e todas as histórias e filmes ambientados lá que eu vi até hoje foram sempre interessantes.


terça-feira, outubro 07, 2003

A última vez que eu havia olhado em um relógio ainda estava em meu quarto, e eram duas e trinta e um da manhã.

A rua, eu a conheço desde que me entendo por gente, já que a família de meu pai sempre morou nas redondezas. Moramos no bairro, entre idas e vindas, desde 1982.

Eu descia pelas calçadas vazias, voltando de algum lugar que não lembro. Gosto muito de andar pelas ruas durante a madrugada, apesar do medo que causo nos outros. Depois de meses trabalhando essas questões dentro de minha cabeça, hoje consigo inquietar-me um pouco menos quando as pessoas atravessam a rua, seguram bolsas com mais força, travam as portas dos carros ou aceleram farol vermelho afora ao se depararem comigo. Penso que é da situação, do perigo em potencial que elas fogem, não de mim, Luis, exatamente. Pensar assim torna esse convívio social peculiar um pouco menos doloroso.

Ênfase em “pouco”.

Mas durante as madrugadas, no mais das vezes, as ruas são minhas e eu posso em paz namorar todos os muitos detalhes da paulicéia adormecida. Meus olhos afagam cada rachadura nas paredes, fazem perguntas a cada prédio novo, projetam acontecimentos inocentes e outros nem tanto em cada janela acesa ou apagada. O ar da noite parece menos denso, não há a opressão de sons e movimentos nem toda a exposição forçada do dia, ainda que nos últimos anos eu tenha desenvolvido alguma simpatia pela luz do sol e uma visão menos parcial sobre a luz da lua.

Durante as madrugadas é quase perceptível a multidão invisível que ocupa as ruas. Sinto seus olhos sobre mim, e me assusto com as possibilidades de cada esquina obscura, com eventuais pontos em comum entre mim e a turba impalpável, com percepções agudas que não tenho a quem comunicar.

Por isso me assustei muito quando ela apareceu de moletom vermelho, correndo enlouquecida rua abaixo, passando por mim como se fosse eu que não existisse: por essa sensação de invisibilidade, ou talvez por ter recebido em cheio o pânico que ela espalhava pelo caminho.

A garota não gritava, apenas corria como se fugisse da própria morte. Óbvio, imediatamente virei-me para trás, mas não vi quaisquer perseguidores. O som de seus passos, um crunch crunch crunch crunch de tênis sem amortecedores, ainda pude ouvir por uns bons segundos depois dela ter dobrado uma esquina e sumido de vista.

Não me demorei ali, parado, dumbstruck. Segui em frente, que já estava a poucos quarteirões de casa. Uma quadra, duas, e eu virava à esquerda quando uma sensação ruim caiu sobre mim como um manto de escuridão e gelo.

Sem dúvida, de uma viela no quarteirão à minha direita ela surgiu, tropeçando e caindo na rua, rolando por um metro ou mais. Eu ouvi o som seco de seu corpo caindo, mas o pior não foi isso: uma garota mais nova, talvez de uns doze ou treze anos, de moletom cinza e amarelo clarinho, corria à sua frente, e se bem me lembro parou aterrorizada quando a irmã (elas eram parecidas, daí a conclusão) caiu.

Covardemente, apressei meu passo, impulsionado pela sensação de mal iminente que me fazia acreditar não ser capaz de ajudá-las contra o que quer que as perseguisse.

E desta vez havia quem as perseguisse. Em segundos eles emergiram da mesma viela, os três, e mesmo com dois graus de miopia eu percebi as armas em riste, uma delas apontada para mim.

Com as pernas bambas, em pânico e temendo dar as costas ao bando que já havia rendido as meninas, eu me atirei ao chão, na esperança de ser dado como morto mesmo apesar de não ter sido disparado um único tiro.

Em menos de um minuto ele estava sobre mim. Moleque estranho, mais ainda por ter algo de familiar, ele se agachou no asfalto ao meu lado e me inspecionou como se eu fosse um cachorro atropelado e ele estivesse tentando determinar as chances de eu ter sobrevivido.

Se ele me fez perguntas antes dessa, eu não me lembro, mas duvido que algum dia eu me esqueça dos seus olhos pretos e broncos, do brilho do revólver refletindo a luz mortiça da rua, ou do medalhão prateado que balançava a poucos centímetros do meu rosto quando ouvi:

-- Você tem um negócio macabro. Você já foi macabro com seu pai?, inquiriu o garoto, cutucando-me o ombro com a arma. Percebendo minha perplexidade diante da pergunta, que eu honestamente parei para pensar e tentar responder, ele acrescentou em seguida: -- E ele, já foi macabro com você? Parece que ele já foi macabro com você.

Da ordem das perguntas eu tenho quase certeza, assim como da expressão “macabro com você”, porque eu jamais tinha ouvido nada do tipo. O que é ser “macabro” com alguém? Fazer feitiçaria com fins malignos? Eu sei que nunca fiz isso com meu pai, apesar de ter nutrido um ou outro pensamento realmente ruim em momentos de estresse. Teria ele feito algo do tipo contra mim? O que será que o garoto viu?

Não tive tempo de perguntar, porque ele se levantou e foi embora, não sei se correndo ou não. Sei apenas que me levantei e comecei a descer a rua em direção à minha casa antes que algo mais acontecesse.

Algo mais aconteceu. O carro veio do nada, virou a esquina e brecou a menos de um metro de mim. Dentro, estavam os que eu sabia serem os outros dois. Sabe Deus o que foi feito das garotas, mas àquela altura eu tinha certeza de que elas não eram inocentes.

Tudo me passou pela cabeça, principalmente a possibilidade deles sacarem revólveres e me matarem ali mesmo. Agora me lembro de uma ocasião em que um cara estranho, provavelmente armado, passou por mim em minha própria rua e ficou me encarando. Lembro-me da nítida certeza de que ele estava armado, e que não hesitaria em atirar se eu fizesse qualquer coisa estúpida como sair correndo ou agir de modo estranho. Andei muito, aquela noite, pois logicamente não iria dar a entender que morava ali. Passei direto por minha casa, e não voltei antes de ter certeza de que o cara tinha sumido. Se é que se pode ter certeza de algo assim.

Como eles não se moviam, eu corri até a frente da casa e portão adentro, e daí para a frente tudo foi muito rápido.

O carro desceu atrás de mim e entrou na garagem, fato que eu percebi ao mesmo tempo em que registrava a presença da minha avó à porta, andando de bengala no limite da sua velocidade.

-- Eles estão entrando, foi o que ela falou afogueada, ou talvez tenha sido “já tem um deles lá dentro”, porque quando eu entrei no pequeno hall antes da porta da frente, um homem estranho saiu da casa.

A percepção de que havia alguma coisa extremamente errada não foi clara ou forte o bastante para frear nada do que eu fiz: foi como se minha consciência se descolasse do corpo e passasse a observar tudo como quem assiste a um filme.

Eu agi em perfeita sintonia com um passado longínquo, em que hesitações e reflexões fora de hora significavam, pura e simplesmente, morte. Eu agi como faria qualquer guerreiro em defesa da sua terra, da sua família, dos seus.

Gritando, eu pus de lado minha mãe (sim, minha mãe) e avancei sobre o primeiro dos rapazes do carro, golpeando-lhe o estômago com a cabeça e depois com o joelho, e pulando sobre sua cabeça quando ela caiu ao chão. Eu senti seu crânio rachando sob meus pés, e sem parar para sorver qualquer tipo de êxtase, num salto eu já tinha o segundo rapaz dominado pelo pescoço, desequilibrando-o com uma rasteira e sacudindo-o com violência até sentir sua coluna se partir, e o corpo pender inerte.

Foi só quando eu percebi que o desespero de minha mãe era por eles, não por mim, que eu entendi o que estava errado: era a casa deles, não a minha. Eu havia matado os filhos dela, eu era o invasor, não eles. Por isso eles entraram com tanta desenvoltura garagem adentro, por isso minha mãe não se surpreendeu com a presença deles, nem quando o outro rapaz saiu pela porta. Os três rapazes brancos que eu jamais havia visto.

O choque de perceber isso foi tão profundo que, quando eu acordei, continuei no mesmo estado insuportável de agitação. Eu acordei com a exata noção do tamanho do erro que havia cometido, e com uma boa idéia do significado daquilo.

Muitas vezes a linha que separa a “realidade” desse tipo de “sonho” fica muito difusa, imperceptível. Ainda posso sentir em minhas mãos o estalar da coluna do cara se partindo. Me senti como se quebrasse uma bolacha gigante: crack. O crânio do outro: crack. Não lembro o que fiz com o terceiro, o da porta. Não lembro. Lembro-me apenas da sensação estranhamente familiar de quando eles morreram.

Mais ainda, lembro-me de ter “sonhado”, poucas horas antes (ou poucos minutos depois?), que na rua de baixo alguma coisa verdadeiramente ruim estava para acontecer, algum ritual ou algo do tipo, e que se eu não acordasse logo eu acabaria, por livre e espontânea vontade ou não, indo parar ali.

E eu acordei; passava pouco das cinco. Foi muito difícil convencer-me de que era preciso, para que o dia não se perdesse de todo, voltar a dormir.


Olha só, um grande exemplo de serviço público prestado por um provedor de acesso ao internauta brasileiro: o Aurélio está liberado de senha!

Como se diz naqueles e-mails irritantes que se pretendem informativos, DIVULGUEM!

Pô, alguma coisa aconteceu com o Sparkazul.

Em que pesem minhas conjecturas, melhoras aí.

O ônibus não demorou, o que foi bom.

No último banco, um homem jovem que mudava de cara a cada vez que eu o observava de soslaio. Quando desceu, um ponto antes de mim, era um desses garotos modernos que trabalham com internet: corte de cabelo fashion pero no mucho, roupas fashion pero no mucho, bolsa retangular a tiracolo (correia atravessada no tronco). Cálculos.

A mulher que desceu comigo agradeceu o motorista por ter parado fora do ponto, que eu às vezes tenho um pouco de vergonha da minha voz.

Ao virar a esquina, apenas dois taxistas naquele ponto absurdo: os carros ficam todos estacionados do outro lado da rua estreita e movimentada que vira bruscamente à esquerda às portas do caminho que leva à estação. Eu descrevi esse caminho outro dia, em um texto que nunca terminei.

No final do corredor o homem olhava para o rio. Será que ele estava assistindo à história que eu contei nesse texto semi-perdido? Era ali mesmo que tudo acontecia. Me senti um tanto invadido. Enquanto não os posto, aqueles acontecimentos são meus, e de mais ninguém. Mas ele não pulou, então tudo bem.

O trem não demorou, o que foi bom.

No último banco do vagão à frente, pontos de extremo interesse. Um ponto, na verdade. Tanta beleza, desapercebida, ao que parece, de si mesma. A verdadeira beleza é assim, quase não se sabe, doa-se aos olhos do mundo, apenas, num altruísmo estético realmente bonito.

Mas eu entrei no outro vagão, porque não queria sair correndo atrás de outra provável ilusão. Nenhum banco? Um, o dos idosos, que nos trens da CPTM são azuis, não cinza. Eu me sentei no banco azul cujo uso é livre na ausência de passageiros nestas condições. Abri o caderno e escrevi algumas coisas em inglês, incomodando um pouco a mulher à minha direita que aprumou-se (para ler melhor?) e ao rapaz que dormia, mas acordou (para descobrir o que interessou a moça?). Duas estações.

Eu fechei o caderno, guardei-o dentro da mochila e tentei não olhar para ninguém (o piso dos trens espanhóis é cinza-escuro salpicado com algum tipo de cristal de quartzo ou algo assim, e com pouquíssimo esforço de imaginação vê-se nele noites estreladas, universos, infinitos). A mulher no banco da frente estava de minissaia. Joelhos um pouco virados para o lado. Pelo vidro da porta quase atrás de mim, o rio Pinheiros me viu e resolveu conversar comigo, discutindo amigável sobre a estranha vegetação de suas margens, sobre o destino das capivaras e sobre a chuva que não tardaria em cair.

Mas foi um pouco antes disso, antes da mulher de minissaia ocupar aquele lugar, que as duas meninas que estavam ali sentadas juntas deram a primeira rasteira na normalidade do dia.

Uma delas se levantou e sentou no outro banco. Eu olhava para o piso, procurando constelações. A outra, então, virou-se para conversar de frente com a amiga.

Uma delas se levantou e sentou no outro banco. Eu olhava para o piso, procurando constelações. A outra, então, virou-se para conversar de frente com a amiga.

Levei alguns segundos para entender que aquilo não tinha acontecido duas vezes. Acho. Na verdade, na segunda vez foi a mulher de minissaia sentando-se. Acho.

Voltei a prosear com o rio quando o trem passou por uma guarita. Um homem de uniforme cinza subitamente congelou-se no tempo, um pé no ar como se subisse uma escada invisível, a starway to heaven. Sua expressão era de um êxtase vazio, como alguém em pleno processo de alucinação com fundo religioso. No nanossegundo seguinte, a imagem sumiu de vista, e veio a ponte Eusébio Matoso, e sua sombra fez-me voltar a mim.

Um pouco além dos trilhos milhões de pedrinhas de granito brincavam com a velocidade do trem e faziam-se de rio, de corredeira, fluindo velozes no sentido contrário: eram elas que se moviam; o trem estava, na verdade, parado.

Não estava. A estação Pinheiros surgiu como um cadáver esquecido ao lado do rio. Depois dela o piso do vagão voltou a absorver-me quase totalmente.

Quando dei por mim já era momento de preparar-me para descer. Ao longe, o vermelho da torre da universidade onde trabalho lutava em vão contra o cinza cada vez mais escuro do dia, contra a quase névoa que a encobria.

(campainha de aeroporto)

-- Estação Villa-Lobos/Jaguaré. No desembarque, cuidado com o espaço entre o trem e a plataforma.

(som do trem diminuindo a marcha)

Desembarquei tomando cuidado com o espaço entre o trem e a plataforma. Nela, não vi nenhum rosto conhecido, como seria de se esperar, mas a menina de preto desceu como se saísse de uma máquina do tempo, e a ela fossem estranhíssimas essas estruturas todas e o próprio trem de onde ela saiu e a paisagem e as pessoas e que perigos se esconderiam no fim daquela misteriosa escada levando ao piso superior? Imaginei-a quixotesca, lutando bravamente contra as catracas. Seus olhos arregalados, a mão suspensa no ar como quem tateia na escuridão, o andar em círculos, tudo nela emanava uma interrogação tão fundamental que eu mesmo passei a desconfiar da minha certeza de estar ali.

Não ofereci ajuda menos por estar atrasado do que por irmanar-me em sua desorientação.

Patrícia não tardou a aparecer, um pouco adiantada, já, prendendo os longos cabelos ruivos por causa da chuva que, bondosa, esperou que estivéssemos a céu aberto para compartilhar conosco os grossos pingos.

Corremos por sobre a ponte como sempre, conversando sobre o momento presente.

Bati o cartão feliz por não ter pulado, e sigo orgulhoso por não ter até o presente momento subido em cima da minha estação, chutado para longe monitor e vidros ao redor e berrado a plenos pulmões porque é que ninguém além de mim está percebendo que a realidade está fundamentalmente abalada, (para não me utilizar de termos grosseiros). Eu berraria muito, urraria, até minhas que cordas vocais se rompessem. Depois cairia de joelhos, choraria um pouco e desmaiaria, ou talvez pegasse um caco de vidro e me auto-mutilasse, sei lá: cortes por fora para cada corte por dentro.

Mas não.

Não, não, não. Horário de trabalho não foi feito para necromasturbação.

Agora um lanchinho e vamos aos textos de hoje, que revisar é preciso, mas fazer da vida sentido, não.


sexta-feira, outubro 03, 2003

Ontem eu saí daqui naquele estado de espírito... ou melhor dizendo, neste estado de espírito, porque eu tenho andado assim nos últimos dias: assim...

Ah, não convém registrar essas coisas aqui.

O fato é que às oito e pouco da noite eu tapei minhas orelhas com o fone de ouvido e segui Avenida Jaguaré afora em direção à estação de trem. Eu pretendia cuidar de minha religiosidade, ontem, por isso sabia mais ou menos que caminho deveria seguir.

(É que normalmente saio do trabalho sem destino.)

Da estação Villa-Lobos/Jaguaré até a Presidente Altino são poucos minutos. Acho que demora mais para o trem chegar do que para chegar até lá. Fiz sentido? Não? Explico: nas linhas da CPTM, o intervalo médio entre trens é de "apenas" 12 minutos. 20, no meio da tarde e final da noite. 7, nos horários de pico.

Não esperei doze minutos. Mesmo na Presidente Altino, não esperei muito até que o trem com destino à estação Júlio Prestes aparecesse por trás daquela curva que eu acho tão linda. Sempre espero o trem na ponta da plataforma, porque aquela visão é um espetáculo -- há por ali um pátio de trens, com infinitos trilhos traçando paralelas e aqui e ali se entroncando, numa espécie de balé estático de linhas de ferro.

Os fios cortando o céu (mas não muito, que dali do fim da plataforma se pode avistar sem obstáculos uma imensidão de céu, e acompanhar aviões fazendo longas curvas, vindos sabe Deus de onde, indo pra onde só Deus sabe), os vários fios e postes, tudo no campo de visão que se tem nos dois extremos da plataforma faz carinho em olhos cansados de divisórias bege e de pessoas indo e voltando pelo corredor envidraçado que passa às minhas costas.

Ser observado pelas costas ao longo de todo um dia pode ter implicações complicadíssimas, como concordariam comigo aqueles que vêem o mundo como um fluxo de energia de vários tipos.

Anywayz -- o trem veio rápido, e eu pararia ainda uma vez minha narração para comentar sobre sons típicos de uma estação ferroviária se não fosse fato que, ontem, eu estava absolutamente maravilhado com a seqüência de sons que eu vinha ouvindo desde que troquei o ronco estressado de carros, caminhões e ônibus pelo banquete sonoro que tem sido a Brasil 2000.

Eles começaram com The Corals - Goodbye, música maravilhosa cujo nome eu me perguntava ainda outro dia num post. Agora não esqueço mais. Logo em seguida veio Head of Your Garment, com Cake. Pra variar, não conhecia, mas em se tratando dessa rádio, isso é motivo de alegria ao invés de vergonha. Boa. Depois vieram Belly, Gram, Badly Drawn Boys, Beatles, Norah Jones, Morcheeba e, lá pelas tantas, uma personal favorite of mine, que é o Otto, com Bob.

O que é a bateria nessa música??? O que é aquilo? Dúvido que alguém já tenha ouvido com atenção todos os detalhes que essa música encadeia: tudo nela é estranhamente hipnótico, desde os três acordes do baixo até a batida alquebrada à la drum and bass (mas tocada na mãozaça) da bateria, que segura-e-solta o fôlego da música com umas viradas fenomenais, até, lógico, os versos repetidos ao infinito:

Ela é do tempo do Bob
Lá do Pina de Copacabana
Ela é do tempo do Bob
Lá do Pina de Copacabana
De tarde na praia o que ela gosta é de fumar e de beijar seu noivo
De tarde na praia o que ela gosta é de fumar e de beijar seu noivo


Cantados a duas vozes que se desencontram como se compartilhassem a mesma viagem mas com "combustíveis" diferentes, esses versos vão entrando na sua cabeça, e ganhando sentidos conforme vão se multiplicando, ganhando desfoque e sobreposição como naquelas clássicas representações cinematográficas da visão dos bêbados ou grogues.

Era nesse nível de interação com o som que eu estava, os olhos vagando longe no que dava para ver por cima da janela opaca, quando a moça se levantou do banco em que estava, quase em frente ao meu do lado oposto do corredor, e veio até mim com aquele olhar benevolente de mãe.

Eu até me fiz um pouco de rogado, pois achei que ela fosse pedir alguma informação, mas no nanossegundo seguinte vesti um sorriso, porque ela realmente inspirava serenidade.

Eu esperava qualquer coisa menos que ela me mandasse abrir a mochila.

Ato contínuo, o cara que estava sentado ao lado dela, e que até então para mim era seu marido, juntou-se a ela, e o outro que estava sentado atrás de mim, e ainda um outro que ao entrar no vagão tinha ficado um tempo parado, olhando pra mim de um jeito estranho.

-- A gente só quer dar uma olhada no que você tem na mochila.

-- Como assim? Vocês são policiais? Têm algum distintiivo?

-- A gente tem o que precisa, disse o terceiro cara levantando o moletom cinza e deixando entrever o revólver enfiado na cintura da calça.

Cercado, deixei que abrissem a mochila e vissem o que quisessem. A mulher levantou minha blusa pela ponta do dedo, como se receasse contaminar-se com alguma coisa. O "marido" olhava meus pertences com desdém, quase decepcionado:

-- Livros, livros, livros. Não tem nada nessa mochila. O que tem aqui?, perguntou antes de abrir a pequena necessaire azul onde se lê "Sensodyne".

-- Objetos de higiene pessoal, foram as palavras que eu usei pra designar aquilo que preenchia o velho brinde da marca de pasta de dentes. Ele abriu e confirmou com o mesmo ar de decepção.

-- Você sempre pega trem no último vagão?, perguntou o da arma?

-- Sempre.

-- Então você deveria tomar mais cuidado.

Ao perceber a interrogação meio indignada em meus olhos, ele complementou:

-- É que nós estamos procurando alguém exatamente com o seu perfil: sempre de preto, andando pelos últimos vagões... E como você está de preto...

Eu não consegui falar nenhuma das muitas coisas que me passaram pela cabeça. Pura e simplesmente baixei a cabeça (erro meu) e fiquei olhando pro nada enquanto eles recompunham meus pertences. Eles voltaram para os seus lugares como se nada tivesse acontecido, e eu anotei algo no papel que eu tinha à mão e procurei fingir que não era humilhação o que eu estava sentindo.

A estação Barra Funda era a próxima, eu pus a mochila às costas e desci, sem olhar pra ninguém. Talvez eu devesse ter seguido, mas não me senti com força moral para criar o caso devido. Ninguém me mostrou credencial nenhuma. Os pedidos de desculpas inexistiram, ou não foram suficientes. Ou eram desnecessários, talvez, na concepção deles. Afinal, eu cometi o pecado de ser negro, estar vestido de preto e com camisa de banda (meu amado PanterA) e ficar ouvindo rádio no último vagão do trem, sozinho.

Eu sei que nem tudo é inocência no último vagão de um trem. É o carro dos malditos, do refugos, dos perdidos e dos rejeitados. É onde eu me encaixo. E é também onde há, no mais das vezes, silêncio e paz para acalentar a cabeça depois de um dia em geral mentalmente cansativo.

No último vagão de um trem há mundos insuspeitos, habitado por tipos suspeitos. A vida é assim.

Ironicamente, na plataforma da estação Barra Funda, onde eu caminhava a passos arrastados em direção ao metrô, no pé da escada rolante, duas pessoas se enfrentavam numa briga testemunhada por umas boas dezenas de passantes. A turma do deixa-disso consistia em dois ou três, quando muito. O restante assistia, das plataformas, da escada, dos murinhos da plataforma superior.

Como sói acontecer nesses momentos, não havia um único segurança à vista.

Oh, eu esqueci. Eles estão todos ocupados me caçando por aí.

Cuidado com o metaleiro negro, pacatos cidadãos! São oito horas e quarenta e quatro minutos, e eu estou de preto, pronto para sair daqui e tomar o meu trem preferido, na minha estação preferida, pra ocupar o último banco do último vagão.

Vou-me, ao som de AC/DC: Thunderstruck.

Thun-der.

quinta-feira, outubro 02, 2003

mais adequado mais feliz mais produtivo
confortável
sem beber em excesso
exercícios regulares na academia (3 dias por semana)
relacionando-se melhor com seu associado empregado contemporâneos
tranqüilo
alimentando-se bem (nada mais de jantares no microondas e gorduras saturadas)
um motorista melhor e mais paciente
um carro mais seguro (bebê sorrindo no banco traseiro)
dormindo bem (nada de pesadelos)
nada de paranóia
atencioso com todos os animais (nunca jogando água em aranhas ralo abaixo)
mantendo contato com velhos amigos (tomando um trago de quando em vez)
pretendendo checar freqüentemente o crédito no banco (moral) (buraco na parede)
retribuindo favores
gostando mas não apaixonado
caridade às ordens
aos domingos supermercado da rua ring
(nada de matar traças ou colocar água fervente nas formigas)
lava-rápido (também aos domingos)
não mais com medo do escuro
ou das sombras do meio-dia
nada tão ridiculamente adolescente e desesperado
nada tão infantil
num ritmo melhor
mais lento e mais calculado
nenhuma chance de fuga
agora autônomo
preocupado (mas indefeso)
um autorizado e informado membro da sociedade (pragmatismo, não idealismo)
nunca chorar em público
menor chance de doença
pneus com aderência a terrenos molhados (foto de bebê preso no banco traseiro)
uma boa memória
ainda chora com um bom filme
ainda beija com saliva
não mais vazio e exasperado
como um gato
amarrado a uma estaca
enfiada em
porcarias congeladas de inverno (a habilidade de rir da fraqueza)
calmo
mais adequado, mais saudável e mais produtivo
um porco
numa jaula

chapado de antibióticos.


Profundo cansaço mental.

quarta-feira, outubro 01, 2003

E então eu desliguei o telefone e comecei a escrever.



(pausa dramática para valorizar um longo post perdido)



(mudança de tela, e chegamos aqui)




Ois, Flávia, tudo bem?

It was cool talking to you again after so long.

You should not mind (much) what I say. I have always been a disaster over the phone. It's not an ability of mine to know which are the right words to say in some situations.

That thing you're perhaps looking for, you'll find that in the archives -- it's ever-so-discreetly mentioned in my very first posts.

Go for it... after you've had a taste of things here. Some of them may be worth your time.

Be sure to check the links on the left, ok?


Love,

L.

PS: Yes, sometimes I... (sigh) Let's just say that October the second is not going to be a day devoid of memories, and nuff said.

I'm out.

Peace.

Entendi o que rola com os acentos...

Quanto mais tempo eu levo redigindo no próprio Blogger, mais provável é que dê naquela bagunça de quase sempre.

Curioso.

Duas coisas que todo mundo deveria ler hoje:

1) o conto do Monteiro Lobato que a Lisa postou no Suck My Toe; e

2) o texto que eu recebi ontem, por e-mail. Este eu vou ter que postar aqui por inteiro, porque é absolutamente verdadeiro.

Faz uns meses que eu venho discutindo com alguns amigos sobre o uso de algumas palavras carregadas de preconceitos como judiar e denegrir, entre outras que têm um sentido insuspeitado, como coitado, por exemplo. Oras, coitado vem de coito: alguém que sofreu um coito. Preciso ser mais explícito?

Enfezado, contudo, pode-se falar sem medo.

De qualquer modo, no texto que a Shirlei me enviou, alguém discute sobre canções de ninar e os traumas de infância que elas criam. Seria interessante descobrir a autoria, já que o texto parece novo (achei apenas 12 menções do Yahoo!). As versões variam pouca coisa, mas essa aqui soa mais consistente, ainda que um tanto mais simplista, e tem com certeza a conclusão mais forte.

Pra quem se interessar, no blog Jabuticaba No Pé tem uma outra versão mais engajada, tipo ala radical do PT, mas de final bobinho. Resolvi, então, fazer uns enxertos.

Aí vai:




Eu, um Brasileiro morando nos Estados Unidos da América, para ajudar no orçamento, estou fazendo "bico" de babá e estudante. Ao cuidar de uma das meninas de quem eu "teoricamente" tomo conta, uma vez cantei "Boi da cara preta" para ela, antes dela dormir. Ela adorou e essa passou a ser a música que ela sempre pede para eu cantar ao colocá-la para dormir.

Antes de adotarmos o "boi, boi, boi" como canção de ninar, a canção que cantávamos (em Inglês) dizia algo como:

Boa noite, linda menina, durma bem.
Sonhos doces venham para você,
Sonhos doces por toda noite"... (Que lindo, né mesmo!?)

Eis que um dia Mary Helen me pergunta o que as palavras em Português da música "Boi da cara preta" queriam dizer em Inglês:

"Boi, boi, boi, boi da cara preta,
pega essa menina que tem medo de careta..."


Como eu ia explicar para ela e dizer que, na verdade, a música "boi da cara preta" era uma ameaça, era algo como "dorme logo, c@r@lh*, senão o boi vem te comer"? Como explicar que eu estava tentando fazer com que ela dormisse com uma música que incita um bovino de cor negra a pegar uma cândida menina?

Claro que menti para ela, mas comecei a pensar em outras canções infantis, pois não me sentiria bem ameaçando aquela menina com um temível boi toda noite...

Que tal! "nana neném que a cuca vai pegar..."?

Caramba... outra ameaça! Agora com um ser ainda mais maligno que um boi preto!

Depois de uma frustrante busca por uma canção infantil do folclore brasileiro que fosse positiva, e depois também de uma longa reflexão, eu descobri a origem dos problemas do nosso País. O problema do Brasil é que a sua população em geral tem uma auto-estima muito baixa. Isso faz com que os brasileiros se sintam sempre inferiores e ameaçados, passivos o suficiente para aceitar qualquer tipo de extorsão e exploração, seja interna ou externa. Por que isso acontece?

Trauma de infância!

Trauma causado pelas várias canções que nos fazem aprender de cor e salteado na infância. Vou explicar: Nós somos ameaçados, amedrontados e encaramos tragédias desde o berço! Por isso levamos tanta porrada da vida e ficamos quietos. Exemplificarei minha tese:

Atirei o pau no gato-to-to
Mas o gato-to-to não morreu-reu-reu
Dona Chica-ca-ca admirou-se-se
Do berrô, do berrô que o gato deu
Miaaau!


Para começar, esse clássico do cancioneiro infantil é uma demonstração clara de falta de respeito aos animais (pobre gato) e crueldade. Por que atirar o pau no gato, essa criatura tão indefesa? E para acentuar a gravidade, ainda relata o sadismo dessa mulher sob a alcunha de "D. Chica". Uma vergonha!

Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré de si.

Eu sou rica, rica, rica,
De marré, marré, marré.
Eu sou rica, rica, rica,
De marré de si.


Colocar a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos tão doces faz com que os brasileiros tenham como algo normal essa (não) distribuição de renda vergonhosa que condena muitos à miséria e agracia pouquíssimos com uma riqueza exorbitante.

É impossível não lembrar do seu amiguinho rico da infância com um carrinho cabuloso, de controle remoto, e você brincando com seu carrinho de plástico... Fala sério!!!!

Vem cá, Bitu! vem cá, Bitu!
Vem cá, meu bem, vem cá!
Não vou lá, não vou lá, não vou lá!
Tenho medo de apanhar.


Quem é o adulto sádico que criou essa rima? No mínimo ele espancava o pobre Bitú...

Marcha soldado,
cabeça de papel!
Quem não marchar direito,
Vai preso pro quartel.


De novo: ameaça. Autoritarismo e abuso de poder escondidos em versos aparentemente inofensivos: ou você obedece ou vai se f... Não é Ã toa que brasileiro admite tudo de cabeça baixa... e continua:

O quartel pegou fogo
A polícia deu sinal
Acode, acode, acode,
A bandeira nacional


Que patriotada é esta? Não se salvam pessoas?

A canoa virou,
Foi deixar ela virar,
Foi por causa da (nome de pessoa)
Que não soube remar.


Ao invés de incentivar o trabalho de equipe e o apoio mútuo, as crianças brasileiras são ensinadas a apontar o dedo e condenar um semelhante. Colocar a culpa em alguém é tido como mais fácil do que refletir sobre as próprias atitudes... Deplorável.

Samba-lelê tá doente,
Tá com a cabeça quebrada.
Samba-lelê precisava
É de umas boas palmadas.


A pessoa, conhecida como Samba-lelê, encontra-se com a saúde debilitada, necessita de cuidados médicos mas, ao invés de compaixão e apoio, a música diz que ela precisa de palmadas! Acho que o Samba-lelê deve ser irmão do Bitú...

O anel que tu me deste
Era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou...


Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?

O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada;
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada.

O cravo ficou doente,
A rosa foi visitar;
O cravo teve um desmaio,
A rosa pôs-se a chorar.


Desgraça, desgraça, desgraça!!! E ainda incita à violência conjugal (releia a primeira estrofe).

Pombinha branca
O que está fazendo?
Lavando a louça
Para o casamento

A louça é muita
Eu sou vagarosa
Minha natureza
É de preguiçosa

Passou um homem
De terno branco
Chapéu de lado
Meu namorado

Mandei entrar,
Mandei sentar,
Cuspiu no chão,
Limpa aí seu porcalhão!


A Rainha do Lar, lerda e preguiçosa, pega o primeiro que aparece, traz para casa e se arrepende. Parece familiar, não?

A barata diz que tem um anel de formatura
É mentira da barata, ela tem é casca dura
A barata diz que tem sete saias de filó
É mentira da barata
Ela tem é uma só
Hahaha
Hohoho
Ela tem é uma só


O personagem da canção é uma barata mentirosa contumaz. E isto é engraçado?!? Quer mais? Então veja:

Osquindô lêlê,
Osquindô lêlê lálá...
Eu vi uma barata
Na careca do vovô
Assim que ela me viu
Bateu asas e voou


Triste retrato da condição do idoso no Brasil: aeroporto de baratas. E devia estar bem limpa, a casa dele, não? Sem pensar muito podemos concluir que "Bichos Escrotos" foi só um amadurecimento de algumas cantigas de ninar. Veja esta:

O sapo não lava o pé
Não lava porque não quer
Ele mora lá na lagoa
Não lava o pé porque não quer
Mas que chulé!


Que belo exemplo de higiene pessoal para crianças, hein? E esta então:

A pulga e o percevejo
Fizeram a combinação
Fizeram serenata
Debaixo do meu colchão


A raiz dos problemas brasileiros está na formação moral construída a partir das letras das canções de ninar!

Mensagem subliminar, incutida na mais tenra idade.

Demorou, mas foi descoberto o problema do Brasil!

Precisamos apenas trocar as canções de ninar, e as futuras gerações estarão salvas.




Pois é.


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